Apesar das relações entre Direito e Literatura remontarem à antiguidade, o estudo e sistematização teórica referente às aproximações destas duas áreas só irá emergir em meados de 1970, com o movimento americano Law and Literature.
Importante destacar que o movimento Law and Literature apresenta diversas propostas de estudos cruzados entre essas áreas do conhecimento, dentre as quais o estudo do Direito na literatura, que resgata e renova a utilização da literatura como ferramenta analítica do Direito.

Desde então, diversos pesquisadores tem se ocupado com o tema, como François Ost e Maria Paola Mittica na Europa, Lênio Streck e André Karam Trindade, no Brasil.
Embora desperte interesse por todo o globo, tais estudos não são imunes à crítica. Neste sentido, pretendo neste ensaio, definir alguns objetivos e possibilidades férteis para os estudos da vertente direito na literatura, .
1. A importância da Interdisciplinaridade para o Direito
O Direito, como ciência social que é, não pode isolar-se da própria sociedade. Tendo como um dos objetivos o estudo da lei e a análise dos fenômenos jurídicos, estritamente conectados ao elemento humano e social, o jurista precisa de vivência e sensibilidade se quiser estar preparado para atuar com a complexidade humana. Neste sentido, a interdisciplinaridade mostra-se crucial. Ao buscar auxílio em áreas como a História, a Antropologia, a Economia e a própria Literatura, o jurista poderá vislumbrar um mesmo objeto a partir de diferentes perspectivas, o que o tornará mais apto para lidar com toda a complexidade do fato social.
2. Mas por que Literatura?
A Literatura, emerge, assim, como uma das diversas áreas capazes de auxiliar o jurista nesta empreitada. Seja por narrar fatos e situações que poderiam ocorrer, ou por oferecer um verdadeiro cardápio social, além de contribuir para a interpretação e construção linguística a partir da Teoria Literária, a Literatura tem o condão de sensibilizar, levar à reflexão, proporcionar um aprendizado pedagógico e mesmo repensar as bases epistemológicas do próprio Direito. Para simplificar, vejamos de que forma ela pode contribuir para o ensino e para a pesquisa em Direito.

a) A Literatura como ferramenta pedagógica

O Ensino do Direito deve ser orientado para a sensibilidade e empatia,visto que atende às finalidades humanas e sociais. Assim, faz-se necessário mais do que transmitir dispositivos legais, salientar as implicações histórico-sociais ali envolvidas. Neste sentido, entende-se que a mera leitura de tratados, declarações e leis, é insuficiente para o preparo do aluno em relação à efetivação e prática do Direito.

Questão complicada é pensar em transformação social e efetivação da justiça por meio do ensino em Direito quando tudo o que o aluno conhece são papeis amontoados de frases organizadas em artigos, incisos, alíneas e parágrafos. Em outras palavras, a apresentação da Lei por si só dificilmente será capaz de despertar a sensibilidade necessária para que a efetivação destes direitos se concretize.

Desta forma, a Literatura pode atuar como um mediador: invoca-se na sala de aula as burocracias processuais descritas por Kafka em O Processo, as injustiças sofridas por Jean Valjean em Os Miseráveis, de Victor Hugo, e por que não questões sobre o poder soberano a partir de Game of Thrones, de George Martin.

A Literatura apresenta-se, assim, como um rico cenário, a partir do qual questões abstratas tomam forma e despertam a atenção e empatia dos alunos.

b) A Literatura como ferramenta epistemológica (alargamento de fonte e de perspectivas)

Pensar a Literatura como ferramenta epistemológica é pensar o alargamento de fontes de pesquisa e de perspectivas sociais para a área jurídica.
Compreendendo a Literatura como espaço de veiculação de imaginários sociais, aos moldes de Bronislaw Baczko e Cornelius Castoriadis, permeado de representações sociais, como preceituadas por Denise Jodelet, temos nela uma fonte valiosa de pesquisa, para se conhecer as percepções e pensamentos cristalizados em cada época e em cada sociedade.
No Brasil, a maioria das vezes em que o direito e os juristas são representados como personagens literários, eles aparecem carregados de negatividade: são vilões mesquinhos ou perpetuadores de injustiça e opressão aos mais pobres, como por exemplo em O Cortiço, de Aluísio Azevedo.
Arrisco-me a dizer que no cenário internacional tal fato não é diferente: em A Maldição do Cigano, de Stephen King, temos um advogado bem relacionado que sai imune aos seus crimes; o judeu Shylock, em O Mercador de Veneza, de Shakespeare, se depara com a inexistência da justiça e da segurança jurídica; e em O Estrangeiro, de Albert Camus, observamos a fragilidade do discurso jurídico e a coisificação do homem-réu.
Utilizando estas representações negativas, o jurista pode indagar o por que deste pensamento negativo a respeito do mundo jurídico, e mais ainda, de como alterar essa visão.

Considerações Finais
Os diálogos entre direito e literatura mostram-se como promissores para o estudo do próprio direito. Fruto da ação humana, a atividade literária encerra em si representações sociais, reflexos de um imaginário social vigente que, assim, terão um impacto sobrea realidade e, independentemente de sua magnitude, poderão ser abordadas pelo Direito.

Nesse diapasão, compreende-se a obra literária como verdadeira testemunha da realidade social na qual está inserida a realidade jurídica. Seja no intuito de aprimorar o ensino ou as pesquisas na área jurídica, os mais diversos gêneros literários, apresentam representações sociais que fazem remissão a diversos assuntos, inclusive jurídicos, permitindo uma abordagem não normativa do direito.

 

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